Quais regras simples regem sua vida financeira?

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Um cofre de porquinho sendo segurados por um casal e uma criança
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Hoje vou contar um pouco da Carol sem educação financeira e sem entender de comportamento humano.

Depois que eu me formei, em 2006, eu passei a ganhar um salário de R$3.900 como advogada. Além disso, recebia um bônus anual variável. Eu me sentia a verdadeira rica.

Eu usava basicamente três regras simples para cuidar das finanças:

1 – Se eu tenho dinheiro na conta eu posso comprar;

2 – Posso gastar no dia a dia até 100% do meu salário;

3 – Devo poupar 90% do valor do bônus.

Como na época eu ainda morava com meus pais isso significava ter a disposição para gastar com prazeres diários aproximadamente R$4.000 por mês. O sentimento de “rica” veio daí. Eu tinha o conforto de dizer sim para tudo que eu gostaria de fazer.

Loja em promoção? Sim, vou renovar o guarda roupa. Viagem nas férias? Claro! Qual lugar quero conhecer agora? Happy hours? Deixa que eu pago a garrafa!

Eu nunca pensei em aposentadoria, em reserva de emergência (para que servem os pais?!) em poupar para viajar etc. Investir? Coisa para quem tem dinheiro e se dá bem com exatas. Inclusive, um amigo disse para investir na ação de uma companhia e coloquei em um fundo de ações lá do banco mesmo.

Mas também queria poupar um pouco disso. Então a regra de poupar só o bônus me servia bem. Será?

O custo das regras erradas

O mundo é complexo demais para o cérebro fazer análise de custo benefício de todas as decisões que temos que tomar (em média 35.000 decisões por dia).

Por isso nosso cérebro usa alguns atalhos pra tomar decisões. As heurísticas, estudadas pela economia comportamental, são atalhos mentais. Regras simplificadoras que usamos pra tomar decisões.

Essas regras podem ser regras de bolso (como aquelas que eu criei acima) ou hábitos (comportamentos que se tornaram automáticos e inconscientes). Elas ajudam a tomar decisões rápidas no dia a dia.

Como eu não tinha tido acesso à educação financeira eu defini regrinhas para lidar com meu dinheiro quando comecei a ganhar meu primeiro salário (regras que obviamente levaram em consideração minha posição privilegiada de morar com meus pais).

Essas regras não me levaram ao endividamento. Mas tampouco facilitaram a construção de hábitos financeiros saudáveis e perenes. Eram regras dependentes de um único contexto.

Veja: essas regras só funcionavam no contexto em que eu continuasse morando com meus pais e recebesse bônus anualmente (duas coisas que poderiam mudar do dia pra noite).

No momento em que eu saísse da casa dos meus pais eu absorveria um bocado de gastos fixos com habitação e alimentação (Adeus gastar R$ 4.000 com supérfluos!) e se um dia o escritório para o qual eu trabalhava mudasse a regra de remuneração eu não conseguiria mais juntar dinheiro.  

Pois é. Na hora que meu cérebro quis simplificar (o que ele sempre vai tentar fazer) ele escolheu as regras erradas.

Regras que dependem de contexto favorável são frágeis

Se você parar para pensar em termos de valores: poupar 90% do meu bônus anual fazia mais diferença do que poupar parte do meu salário.

Mas tinha uma parte muito mais importante sendo negligenciada neste cenário. Aquela ligada a construção de hábitos financeiros saudáveis.

Primeiro: dizer sim para tudo não estava me ensinando nada. Afinal, teria que sair da casa dos meus pais em um futuro próximo e seria mais traumático ter que abrir mão dos supérfluos e daquele estilo de vida abruptamente.

Nós temos apego emocional ao estilo de vida que criamos: a escola que colocamos nossos filhos, ao clube que frequentamos, ao carro que dirigimos e ao bairro que moramos.

É muito melhor lidar com essas escolhas antes de fazê-las. Depois, por mais que te falem “é só cortar isso e aquilo”, do ponto de vista comportamental, é muito mais difícil abrir mão de escolhas passadas.

Menino com camisa listrada sorri e enfileira moedas sobre uma mesa
É recomendado construir hábitos financeiros que não estejam ligados diretamente a um contexto

Também não estava aprendendo a viver abaixo do que eu ganhava. Essa regra simples é qualitativa porque não depende de contexto (salvo quando estamos falando de pessoas em vulnerabilidade socioeconômica).

E por fim, a regra do “se eu tenho eu posso comprar”. Essa regra parece inofensiva. Mas tem pelo menos duas pegadinhas.

A primeira: se você fosse como eu, o dinheiro estaria todo no mesmo investimento (poupança). Então eu não estava gastando só dinheiro do supérfluo, mas também o dinheiro que deveria ser destinado à reserva de emergência e à aposentadoria.

Na regra simples “se tem dinheiro na conta, eu posso gastar” não tinha nenhuma ressalva. Então eu me sentia liberada para gastar o que estava ali disponível.

A segunda tem relação com entender meus gatilhos de compra. No fundo a gente raramente compra porque precisa, mas sim para buscar por compensação.

Mas na época eu não precisava entrar em contato com isso: afinal eu estava cumprindo a minha regra e só gastava quando tinha dinheiro na conta. E nisso fui criando hábitos de compras automáticos e nocivos no longo prazo.

Portanto, lembre-se sempre de duas coisas:

  • Seu cérebro gosta de atalhos!
  • Quais atalhos você tem escolhido?

Conheça Carol Velloso, colunista do FinanceOne

Com experiência em finanças comportamentais, Carol Velloso é a nova colunista do FinanceOne. Ela terá textos publicados a cada 15 dias. Fique de olho!

Carol é advogada com experiência em propriedade intelectual e políticas públicas, incluindo de educação financeira.

Depois de se tornar mãe, ela passou a organizar a vida financeira da família e, desde de 2019, produz conteúdo sobre finanças comportamentais no perfil @neuro.economia, pois para ela a raiz dos problemas financeiros está no cérebro.

Confira outros textos de Carol Velloso, colunista do FinanceOne:

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