Gasolina é o novo papel higiênico?

0
274
Pessoa abastecendo um carro branco
5
(7)

Nas últimas semanas temos acompanhado aflitivamente as notícias sobre a guerra entre Rússia e Ucrânia. As perdas humanas e os impactos econômicos são discutidos 24 horas por dia nos noticiários.

Em uma tentativa de demover o governo russo em continuar seus ataques ao território ucraniano, diversos países baixaram sanções comerciais contra a Rússia, o que foi seguido por algumas empresas multinacionais.

O McDonald’s, por exemplo, fechou temporariamente 850 lojas na Rússia.

E isso causou uma comoção idêntica de quando a lanchonete abriu sua primeira loja em Moscou há 32 anos. No instante em que a empresa anunciou o fechamento das lojas houve uma corrida para a lanchonete em busca do último Big Mac.

As cenas que correm o mundo têm tons surrealistas: clientes acorrentados às portas sendo presos, uma fila enorme de carros no drive-thru da lanchonete, funcionários cantando canções em despedida.

Também se tornou viral a foto de um refrigerador abarrotado de sanduíches e outros itens do McDonald’s comprados por um fã da marca. Russos que conseguiram garantir seu último Big Mac por seis dólares revendem o sanduíche na internet por até 44 dólares!

A escassez do Big Mac o banhou a ouro: com poucas unidades disponíveis a percepção de valor sobre o sanduíche aumentou, fazendo com que as pessoas paguem até sete vezes o seu valor original para dar a última mordida. 

Déjà vu

Não dá pra falar de fila do McDonald’s sem lembrar da corrida pelo papel higiênico no início da pandemia e das filas por gasolina que se formaram no Brasil nas últimas semanas.

Na pandemia, houve uma corrida aos supermercados atrás de itens de uso pessoal por conta das restrições de circulação. Um item em especial foi objeto de obsessão: o papel higiênico. Consta que tudo começou com o boato de falta de suprimento de papel e que isso levou a um pânico generalizado e compra desmedida do item.

A questão é: a corrida às compras (panic buying) aliada ao efeito manada levaram a um real desabastecimento de papel higiênico em diversas lugares. 

Com a gasolina vemos o mesmo DNA visto nas duas situações anteriores: corrida para os postos, grades filas (acho que não tinha ninguém cantando por aqui…) e postos sem gasolina pelo aumento repentino da demanda.

Será que estamos vivendo o mesmo fenômeno psicológico com a gasolina?

Nem sempre agimos de forma racional

Apesar de a causa de cada corrida às compras ser distinta, todas têm três coisas em comum: sensação de escassez + efeito disponibilidade + efeito manada.

Em 2015, diante de uma alta de preços da gasolina, uma moça (que viralizou como meme em 2022) tentou recorrer à racionalidade das pessoas na fila dos postos com as frases: “Não abasteçam!” “Se sobrar gasolina o preço tem que baixar” e “É a lei da oferta e da demanda!”.

Pois é. Acontece que seres humanos tem racionalidade limitada. Não adianta dizer o que tem que ser feito, pois no pânico ou na euforia escutamos mais as nossas emoções do que a razão.

Além disso, pra nós é intuitivo seguir de forma automática a manada, pois temos um instinto que diz que “a maioria deve saber o que é o certo”. Ninguém quer ficar pra trás quando todos parecem estar indo para um lado.

Desafiar a manada causa angústia psicológica, então preferimos errar, mas errar em grupo é mais reconfortante.

Isso não é só visto na questão do consumo, mas também quando estamos diante de decisões de investimentos.

Em geral, as pessoas investem em ativos da moda por conta do efeito manada, seja por não querer ficar de fora (ocorre com frequência com criptos) ou por achar que o movimento certo é o movimento da maioria.

É importante ressaltar que o problema não está no investimento em si, mas na raiz irracional da tomada de decisão que pode levar pessoas a investir de forma desinformada e desalinhada com seu perfil de investidor.

Você age de acordo com o que você consome!

Outro aspecto que existe nas três situações narradas aqui é a urgência pela tomada de decisão de compra causada pelo efeito disponibilidade.

Aqui entram dois conceitos muito estudados em ciências comportamentais que influenciam nossas decisões: a escassez (ao menos a sensação dela) e o efeito disponibilidade. 

A escassez altera nossa percepção de valor e influencia nossas preferências sobre um bem. Não é à toa que tem pessoas dispostas a pagar 44 dólares por um simples Big Mac. Por ter se tornado escasso, o Big Mac se tornou uma iguaria gastronômica na Rússia, tendo aflorado o desejo de consumo desse item.

Mulher comendo e segurando embalagem de batatas fritas do McDonalds na rua
Russos pagam até 44 dólares em lanche do McDonald’s, após lojas fecharem diante da Guerra com a Ucrânia

O efeito da disponibilidade age como usar gasolina pra apagar o fogo: quanto mais veiculada for a fila do McDonald’s, do supermercado e do posto de gasolina, mais sentiremos uma urgência de tomar uma decisão de compra em relação a esses itens.

Nosso cérebro é uma máquina precipitada de tomar decisões. Basta que ele detecte perigo que ele tende a querer agir, sem racionalizar a decisão.

Como se blindar das emoções?

 A melhor forma de tomar decisões financeiras não é se tornar um robô imune às catástrofes do dia a dia ou às emoções, mas sim ter um planejamento realizado em momento “frio”.  

Quando for se planejar financeiramente:

– Aja em um momento em que não esteja sob influência do pânico ou euforia.

– Se pergunte se notícias assistidas recentemente estão influenciando suas decisões ou se você está se baseando em dados e estatísticas.

– Domine seus números e respire (correr para abastecer pode poupar alguns reais, mas resolve seu problema no médio prazo? O quanto o aumento da gasolina impacta a sua vida?).

– Tenha um plano para lidar com a inflação: mudança de marca, planejamento da alimentação, combinar carona com pool de amigos, mudanças de hábitos (usar mais transporte público), investimentos em ativos que protejam contra a inflação. São medidas mais eficazes do que correr para abastecer.

*minhas opiniões não representam a CVM

Conheça Carol Velloso, colunista do FinanceOne

Com experiência em finanças comportamentais, Carol Velloso é a nova colunista do FinanceOne. Ela terá textos publicados a cada 15 dias. Fique de olho!

Carol é advogada com experiência em propriedade intelectual e políticas públicas, incluindo de educação financeira.

Depois de se tornar mãe, ela passou a organizar a vida financeira da família e, desde de 2019, produz conteúdo sobre finanças comportamentais no perfil @neuro.economia, pois para ela a raiz dos problemas financeiros está no cérebro.

Confira outros textos de Carol Velloso, colunista do FinanceOne:

O que achou disso?

Média da classificação 5 / 5. Número de votos: 7

Seja o primeiro a avaliar este post.

Lamentamos que este assunto não tenha sido útil para você!

Diga-nos, como podemos melhorar?

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui