Você gasta dinheiro por culpa da sociedade

0
371
Mulher idosa olha assustada para um extrato bancário
5
(5)

Se você tem qualquer rede social sabe que a pauta quente da vez não são 14 milhões de desempregados e sem dinheiro, nem alta da inflação, muito menos a subida da taxa de juros ou a queda da bolsa.

A pauta quente é: Big Brother Brasil 2022.

Você pode reclamar que o programa é superficial, que retrata o pior do ser humano e que é entretenimento ruim. Mas é o que está na boca do povo. As pessoas gostam mesmo é de acompanhar o comportamento dos outros para se identificar e julgar.

Como apaixonada por economia comportamental eu entendo: observar o comportamento humano é realmente fascinante.

Por mais que já tenham tido 21 edições anteriores do programa e de todo elenco saber qual é a receita para vencer o tal reality: na prática, a teoria é outra. E é assim com dinheiro também.

Só educação financeira não basta

Nos últimos dias, recebi um direct de uma seguidora contando que atuava no mercado financeiro há muitos anos e que tinha todo o conhecimento sobre investimentos e preceitos de uma vida financeira saudável.

Com todo esse conhecimento a seu dispor, era de se supor que sua vida financeira estaria no mínimo organizada (assim como o BBB novato que sabe a acha que sabe a receita para vencer). Todavia, a seguidora me relatou que mesmo tendo educação financeira ela contraiu uma dívida de mais de 20 mil reais.

Segundo ela “vejo que tudo que sabia não era suficiente, pois as minhas decisões relacionadas com dinheiro eram péssimas”.

A origem da dívida tinha raízes mais profundas: uma crença familiar de que pobre não tem nada sem fazer empréstimo.

Outra me confessou que achava que muito dinheiro era algo ruim. Perguntei se alguém da família tinha alguma frase pronta sobre dinheiro. Acertei na mosca: a avó reproduzia o ditado de que era mais fácil um camelo passar por um alfinete do que um rico entrar no céu. E ela me disse: “eu morria de medo de não entrar pro céu”. 

Essas seguidoras não estão sozinhas.

Uma pesquisa encomendada pelo Itaú chamada Dinheiro Tabu (2017 e 2021) demonstra que a relação do brasileiro com o dinheiro é mal resolvida. Alguns números demonstram esse conflito:

– 60% dos entrevistados ainda tratam o dinheiro como um assunto tabu;

– 97% acreditam lidar mal com o dinheiro;

– 83% dizem que pessoas que ganharam muito dinheiro perderam seus valores morais.

Apesar da versão 2021 da pesquisa apontar para uma melhora na relação do brasileiro com as finanças, o caminho ainda é longo. O tabu em relação à vida financeira foi construído ao longo do tempo em quatro dimensões: cultural, social, familiar e individual.

A conclusão é de que isso vem principalmente de crenças e normas sociais sobre dinheiro.

Então a culpa não é minha, mas da sociedade?

Em economia comportamental estuda-se bastante o papel das normas sociais e seu impacto nas decisões do indivíduo.

Por exemplo: comprar um presente.

A norma social diz que você deve escolher um presente que irá agradar o presenteado ao invés de fazer um PIX. Além disso, presentes são vistos como demonstração de afeto ou status social, o que obviamente impacta na vida financeira.

Uma pessoa com educação financeira e recursos escassos para gerenciar deveria pensar: posso dar esse presente? Qual valor cabe no meu orçamento? Mas poucos se rendem de fato a tal racionalidade propagada pela educação financeira.

Como demonstra a história da seguidora endividada, é muito difícil a pessoa desapegar das crenças e normas sociais. Nós as reproduzimos de forma tão automática, que certos comportamentos acabam fazendo parte da nossa identidade.

Primeiro: reconhecer a irracionalidade

Na referida pesquisa, identificou-se alguns perfis de entrevistados e dentre eles existem “alienados” e os “incomodados”. O primeiro grupo é daqueles que vivem em estado de negação sobre as consequências do mau uso do dinheiro e segundo são aqueles que sabem que tem problemas em lidar com dinheiro, mas cedem a antigos hábitos (soa familiar?). 

Apesar de a nossa relação com o dinheiro ser pautada por crenças familiares e normas sociais, a mudança destas dependem do comportamento individual.

Calculadora, moedas espalhadas e cofre de porquinho em um ambiente de madeira
Gastar dinheiro está diretamente ligado a normas sociais e culturais

Pra começar, reconhecer o que é seu e o que foi herdado talvez seja um dos primeiros passos para sair da ditadura das crenças (ruins) com dinheiro.

Proponho então uma rápida reflexão sobre três perguntas:

– Alguma pessoa próxima teve alguma experiência negativa com dinheiro?

– Algum filme ou novela que tratava de questões financeiras te marcou?

– Quais as frases prontas sobre dinheiro existem na sua família?

Com os resultados em mãos você pode ter um verdadeiro Raio-X da origem das suas crenças financeiras. Mas como mudar?

Como alguém que mudou muito recentemente de crenças financeiras (eu era do tipo “quem casa, quer casa”), eu me atrevo a dizer que você deve começar criando a sua própria bolha.

Um bom começo seria mapear amigos com hábitos financeiros saudáveis pra puxar conversa e usar as redes sociais para seguir alguns educadores financeiros (aqui é importante beber de várias fontes com pontos de vistas diferentes para não correr o risco de sofrer com o viés de confirmação).

Agora que você chegou até aqui: não vale mais usar a desculpa do título!

Conheça Carol Velloso, colunista do FinanceOne

Com experiência em finanças comportamentais, Carol Velloso é a nova colunista do FinanceOne. Ela terá textos publicados a cada 15 dias. Fique de olho!

Carol é advogada com experiência em propriedade intelectual e políticas públicas, incluindo de educação financeira.

Depois de se tornar mãe, ela passou a organizar a vida financeira da família e, desde de 2019, produz conteúdo sobre finanças comportamentais no perfil @neuro.economia, pois para ela a raiz dos problemas financeiros está no cérebro.

Confira outros textos de Carol Velloso, colunista do FinanceOne:

O que achou disso?

Média da classificação 5 / 5. Número de votos: 5

Seja o primeiro a avaliar este post.

Lamentamos que este assunto não tenha sido útil para você!

Diga-nos, como podemos melhorar?

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui